ADVOCACIA DATA DRIVEN – Precisamos Conversar Sobre Este Disruptivo Padrão de Atuação Profissional
Por Camila Brandão de Angelis
A transformação digital que os setores jurídicos têm passado nos últimos anos, potencializada pela pandemia da covid-19, e a necessidade do desenvolvimento do trabalho remoto com qualidade, contribuiu para a mudança de atuação dos escritórios de advocacia, além de ter fomentado o uso de tecnologias facilitadoras da performance dos advogados.
O uso de ferramentas como a inteligência artificial, software jurídico e tecnologias que permitem a análise de dados, favorecem desde o simples cumprimento de prazos, à tomada de importantes decisões da diretoria jurídica das grandes companhias e escritórios.
Contudo, esta não é a realidade de grande parte dos escritórios de advocacia brasileiros, e tal fato foi confirmado através do estudo1 realizado pelo Centro de Estudos Das Sociedades dos Advogados – CESA – que, com informações colhidas de 650 escritórios de diferentes segmentos, atestou que 78% dos estabelecimentos não utiliza de tecnologia jurídica para auxiliar nas atividades diárias. Trata-se de um número preocupante comparado à quantidade de escritórios fixados pelo país.
Neste contexto, torna-se de suma importância discorrer sobre a cultura data driven, ou advocacia data driven.
Embora seja novidade para muitos, trata-se de um tema atual e necessário, que traz em seu bojo a transformação no padrão de atuação profissional não apenas para os escritórios de advocacia, mas para todas as empresas que tenham visão de mercado e que acompanhem a evolução tecnológica.
Ser um profissional data driven significa considerar que todas as informações disponíveis e relacionadas às atividades desempenhadas, são tratadas como dados e, partir disso, utilizá-los para nortear as decisões a serem tomadas, de forma estratégica e segura, considerando os interesses do escritório e, sobretudo de seus clientes.
Nesse passo, para que a atuação do escritório seja baseada em dados é preciso extrair informações de diversas fontes que integram o negócio e transformar em conhecimento.
Quando o assunto é ciência de dados, o investimento em tecnologias de cibersegurança2 e profissionais capacitados se torna fundamental, pois a invasão criminosa das redes, eventual vazamento de dados, bem como a colheita de dados incorretos e inconsistentes podem acarretar a responsabilização cível e criminal do escritório e o dispêndio de valores em escalas não previstas para mitigação dos danos.
Ademais, difundir uma cultura analítica para todos os colaboradores faz parte do processo e contribui para a transformação no modo de pensar, agir e decidir, em todos os setores do escritório.
Infelizmente, o Brasil possui uma deficiente cultura de extração e análise de dados, sendo pouco desenvolvido quando se fala em tomada de decisão analítica. E, grande parte desse cenário, é consequência da formação básica de ensino do nosso país, que deixa a desejar e se distancia muito da formação analítica dos países mais desenvolvidos.
A realidade tende a ser mais desfavorável para quem opta por seguir a formação profissional na área de ciências humanas, que pouco ou nada se faz analítica. O que torna a mudança de mindset e a transformação do perfil desses profissionais, complexa e de alto investimento.
Daí porque a transformação da advocacia tradicional em uma advocacia data driven é um assunto que precisa ser abordado, aprimorado e difundido. A realidade nos leva, até mesmo, para a necessidade de existir uma grade curricular, no ensino superior, que explore a análise de dados e uso de tecnologias na prática jurídica, para que a formação dos profissionais do futuro atenda às necessidades do mercado.
Ricardo Cappra3, importante cientista, pesquisador e empreendedor quando o assunto é dado, aduz que “Se o presente é digital, o futuro inevitavelmente será cada vez mais analítico.”
E pensar que muito profissionais, ao optarem pelo curso de direito, o fazem porque querem se esquivar dos números e do raciocínio analítico. Mera ilusão!
Na prática, se considerarmos uma perspectiva não jurídica, é de conhecimento geral que a partir da análise de dados nas redes sociais é possível traçar o perfil dos usuários e até moldar o gosto dos mesmos. Através de uma simples pesquisa feita por um usuário em seu smartfone, o disparo de algoritmos é imediato e são oferecidos produtos e páginas de consumo material e imaterial, correlacionadas à pesquisa inicial. Prática corriqueira, de aplicativos como o facebook e o instagram.
Neste viés, ao traçar esse panorama na prática jurídica, não só é possível, como se faz essencial traçar o perfil dos juízes, desembargadores e até ministros, a partir da aplicação de modelos estatísticos e a análise de dados das decisões proferidas, bem como das causas julgadas e das matérias enfrentadas. Tal prática é denominada jurimetria e é utilizada por escritórios que não economizam quando o assunto é tecnologia e, sabem da importância de se traçar uma boa estratégia de atuação.
Por meio da jurimetria, é possível aferir inúmeras informações presentes em bancos de dados dos Tribunais, tais como tempo médio de duração de um processo, porcentagem de deferimento de liminares e pedidos, individualizando-os por tema, além de ser crível identificar variantes que contribuem para determinada linha de entendimento jurisprudencial. O raciocínio jurídico que antes se restringia a explorar um precedente, tornou-se analítico e amparado por diferentes tipos de dados.
É plausível, ademais, pensar na hipótese das teses jurídicas que hoje são baseadas em julgados e jurisprudências, terem sua explicitação lastreada por gráficos e estudos analíticos do tema abordado. O efeito seria, no mínimo, inovador, além de trazer credibilidade à fundamentação e uma tendência ao proferimento de decisões, também analíticas, sintéticas e com uma margem, cada vez maior, de segurança jurídica.
A priori parece impensável, entretanto é uma tendência que está por vir, quando pensada em conjunto à outras inovações tecnológicas que estão sendo empregadas nas petições judiciais, como por exemplo, o visual law.
Não obstante, frisa-se que o poder judiciário também está atento à necessidade de modernização e vem, ao longo dos últimos anos, se adequando aos avanços tecnológicos. O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse, em recente pronunciamento público, que um dos objetivos do seu mandato, que dura até 2023, é transformar a Corte na 1ª 100% digital do mundo4. Uma mudança de paradigma importante para o judiciário brasileiro.
Sob outra vertente se, como visto, é possível traçar o perfil de Tribunais, é viável refletir no cruzamento de dados sociais para identificar o perfil de inadimplentes e, com isso, alcançar as possíveis razões que levam ao acúmulo de dívidas de determinado grupo social, bem como traçar soluções de recuperação de crédito, para os escritórios especializados em tal segmento.
O cruzamento de dados sociais permite até mesmo ampliar o ramo de atuação profissional, sopesando análise de dados de clientes em potencial que se queira atingir. Lembremos das estratégias das redes sociais com a utilização dos algoritmos. Com uma visão mercadológica e de marketing, e uma abordagem segura, é possível conquistar e fidelizar clientes com a simples apresentação de “dores” que por ventura serão identificadas e que podem ser solucionadas, através do serviço prestado por seu escritório.
O seu potencial cliente, não sabe que precisa do seu serviço, até que ele seja apresentado. O seu cliente, não sabe que pode ter vários de seus interesses atendidos, até que você apresente soluções a ele. Os Juízos, não sabem que devem decidir seguindo determinada linha, até que você mostre números, e os convença que sua argumentação de defesa é a mais correta a ser seguida.
A melhor tática é: não pergunte o que gostam ou querem, observe, colete dados, e faça o que eles precisam, o que é necessário, antes mesmo que a indigência transpareça. Uma atuação analítica e proativa deve ser o foco na tratativa com clientes, bem como na abordagem e linhas de defesas processuais. Isso porque, como já aduzido, as previsões baseadas em dados podem frequentemente ser usadas para influenciar ou alterar o comportamento humano.
Fato é que estamos no mundo da big data, com muitas informações e muitas possibilidades de descoberta, o que nos cabe é fazer a correta lapidação desses dados e utilizá-los da forma que melhor nos aprouver, com segurança, responsabilidade e ética.
A verdade é que o modelo de advocacia data driven é uma importante disrupção tecnológica e comportamental do profissional jurídico, e veio para aprimorar a atuação dos escritórios que têm à disposição, inúmeras maneiras de solucionar demandas, atender seus interesses e de seus clientes, com qualidade, dinamismo e segurança jurídica, se valendo do que é considerado o tesouro da atualidade: os dados!
A conclusão que se extrai é que todo profissional jurídico deve ser, necessariamente, um analista de dados ou analista de informações e este é um caminho que não possibilita retrocesso. Com investimento, vontade e competência, é possível vislumbrar uma advocacia moderna, tecnológica, segura, menos litigiosa e completamente eficaz.
1Disponível em: http://www.cesa.org.br/noticia/noticiascesa/os_avancos_tecnologicos_que_prometem_mudar_o_exercicio_da_advocacia_nos_proximos_anos.html
2Prática que protege computadores e servidores, dispositivos móveis, sistemas eletrônicos, redes e dados contra ataques maliciosos. Também é chamada de segurança da tecnologia da informação ou segurança de informações eletrônicas. Disponível em: https://www.kaspersky.com.br/resource-center/definitions/what-is-cyber-security
3https://www.ricardocappra.com/
4Disponível em: https://exame.com/brasil/fux-diz-que-pretende-transformar-stf-em-unica-corte-mundial-100-digital/