A EFICÁCIA INTERNA DAS NORMAS QUE DETERMINAM COTAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO EM CONDIÇÕES DE IGUALDADE
20 de dezembro de 2021

POR ROBERSON REZENDE RIBEIRO [1]

  1. INTRODUÇÃO

A deficiência no ser humano, qualquer que seja sua modalidade, evidentemente, não é tema novo. Não obstante, a preocupação com a prevenção e a proteção das pessoas com deficiência são temas extremamente recentes.

A sociedade como um todo, com raras exceções, tem uma visão preconceituosa de que a pessoa com deficiência (seja ela qual for) é totalmente limitada, sendo essa uma das primeiras grandes barreiras ao seu acesso ao mercado de trabalho, que nesse caso específico, deixa de ser apenas uma atividade produtiva, para se transformar em um verdadeiro exercício da cidadania.

Os dados da Organização Internacional do trabalho – OIT (2007, p.48) demonstraram que cerca de dez por cento (10%) das pessoas do mundo possuem algum tipo de deficiência.

A pessoa com deficiência tem, de acordo com Irany Ferrari, como qualquer outra, direito a um trabalho digno, que satisfaça completamente suas necessidades, porque além de ser, ele próprio, “uma necessidade vital, é também, e aí sua importância maior, o seu libertador, tanto individual como socialmente” (FERRARI, 1998, p.15).

Tendo em conta esta especial importância dispensada ao trabalho, como fator de libertação, crescimento e dignidade do ser humano, o Decreto n. 3298/99 em seu artigo 34 diz que é finalidade primordial da política de emprego “a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou a sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido”. (BRASIL, 1998)

Ultrapassadas estas barreiras referentes à mudança legislativa, arquitetônica e de infraestrutura, Lopes (2005) menciona uma que é considerada a mais importante. “A mudança cultural”. (LOPES, 2005, p.116)

Como visto, o Brasil dispõe de leis e normas de proteção e apoio a pessoa com deficiência, que inclui, além da Convenção 111 da OIT e do Programa Nacional de Direitos Humanos, a Lei Federal nº 7.853/89, que estabelece o apoio às pessoas com deficiência, e sua integração social; o Decreto 914/93, que institui a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência; a Convenção 159 da OIT, ratificada através do Decreto 129/91, que trata da readaptação profissional e o emprego da pessoa com deficiência, bem como a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, a Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, que institui Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade (Programa Especial), com o objetivo de analisar processos que apresentem indícios de irregularidade e potencial risco de realização de gastos indevidos na concessão de benefícios administrados pelo INSS e, ainda, a Lei 14.126 de 22 de março de 2021 que classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.

Todos estes dispositivos legais incidentes sobre a matéria visam à ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a assegurar a plena integração dessas pessoas no contexto sócio-econômico e cultural, sem privilégio nem paternalismo, mas com reconhecimento de suas características e necessidades.

A discriminação das minorias, ora explícita e rude, ora implícita e velada, só pode ser combatida através de uma mudança geral de mentalidade. Isso porque uma lei precisa ter eficácia, ou seja, deve ser concretamente observada pelos seus destinatários, de preferência, não pelo medo da sanção nela incutida, mas pela real consciência de que sua observância acarretará menos injustiças, concorrendo, desta maneira, para a paz social.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A valorização da pessoa com deficiência assumiu diferentes nuances no decorrer da história e muito árdua foi a luta pelas conquistas atualmente alcançadas.

Nos poucos registros da Grécia Antiga, da Idade Média e até o início do século XIX, a pessoa com deficiência era tratada de maneira ambígua, ora como enviado divino, ora como criatura maligna, mas sempre excluída da participação na sociedade. (BATISTA, 2002, p.59)

Bezerra afirma que “o deficiente era visto como incapaz, ou como um completo inválido” (BEZERRA, 2008, p.166). “O chefe da família possuía poder de vida e de morte sobre sua prole, de modo que, muitos deficientes eram destinados à morte ou, no caso dos sobreviventes, ficavam a pedir esmolas nos centros urbanos”. (BEZERRA, 2008, p.167)

Segundo Pessoti (1984: 3) citado por Batista (2002) “em Esparta crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas, o que legitimava a eliminação ou abandono”. (PESSOT apud BATISTA, 2002, p.60). O autor complementa que a prática do abandono à inanição foi admitida por Platão em à República. (1990: 230)

Pegarão então nos filhos dos homens superiores e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém. (BATISTA, 2002, p.61)

Batista (2002) ainda informa que essa prática também estava presente em “A Política de Aristóteles” (1995: 164), que declara quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme.

Conforme Gugel(2001) a Lei das XII Tábuas, na Roma Antiga, “autorizava os patriarcas a matar seus filhos defeituosos, o mesmo ocorrendo em Esparta, onde os recém-nascidos, frágeis ou deficientes, eram lançados do alto do Taigeto” (abismo de mais de 2.400 metros de profundidade).

Nesse período, “veio à tona o modelo de caracterização da deficiência como questão médica e educacional, encaminhando as pessoas com deficiência para viverem em conventos e hospícios até o ensino especial”. (GUGEL2001, p.20)

Na mesma época, Gugel(2001) perfilha que diversos inventos foram desenvolvidos com o intuito de proporcionar condições específicas de trabalho e locomoção as pessoas com deficiência, tais como a cadeira de rodas, bengalas, bastões, muletas, coletes, próteses, criação do código Braille por Louis Braille para deficientes visuais e outros.

A partir desse retrospecto do atendimento dispensado às pessoas com deficiência é latente como a segregação se manteve até os tempos modernos e que a sua inclusão social significa, além da conquista de direitos, o rompimento com práticas desenvolvidas no decorrer da História.

Ato contínuo, verifica-se que a segregação fixou-se de tal forma serem necessárias leis para garantirem a não discriminação e a equidade de oportunidades, com fulcro no conceito de inclusão social e sustentáculo firme às pessoas com deficiência, ou melhor, sobre os deveres da sociedade ante essas pessoas, sobretudo, no campo do trabalho.

Atualmente, porém, o grande desafio é a real observância do comando legal, como consequência de uma maior conscientização. O problema que enfrenta a pessoa com deficiência não é a ausência de leis. Estas são, de certa forma, satisfatórias e atuais. O ponto central é que, sob o ponto de vista da validade, sejam elas efetivamente aplicadas aos casos concretos.

3. CONCEITO DE DEFICIENCIA

De acordo com Kalume (2006), muitas questões foram postas a respeito do conceito da pessoa com deficiência pela legislação previdenciária que foi a pioneira nas elaborações de legislações que iria tutelar os direitos destas pessoas.

Por esta razão, com o advento da Carta da República Federativa do Brasil de 1988, a lei 7.853/89, viabilizou a pretensão constitucional com políticas governamentais em favor da pessoa com deficiência, e atribuiu uma nova “diretriz nacional, geral segura e objetiva sobre o assunto”. (Kalume, 2006, p.20)

Assim, baseado na lei retro mencionada, o decreto 3.298/99 “que regulamentou, aclarou dúvidas e adotou os conceitos legais necessários à execução da lei, considerando para este fim, e só a partir dele”: (Kalume, 2006, p.20)

Deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. (Kalume, 2006, p.21).

Deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos. (Kalume, 2006, p.21)

Incapacidade – Uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meio ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (Kalume, 2006, p.21)

Trazendo a baila o conceito terminológico “deficiente é a falta, falha, carência, imperfeição, defeito ou insuficiência, já o termo portador significa aquele que porta ou conduz, ou traz consigo, ou em si”. (CAVALCANTE, 1999, p.9)

Nos dizeres de Cavalcante, considera-se deficiente a pessoa que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o trabalho humano (lei nº 7853/89 e o seu Regulamento – Decreto nº 3.298/99”. (CAVALCANTE, 1999, p.10)

Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, ampliou o conceito predito, afirmando que:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:       (Vigência)

I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III – a limitação no desempenho de atividades; e

IV – a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. (Vide Lei nº 13.846, de 2019)(Vide Lei nº 14.126, de 2021)

Conceitua, ainda, em seu inciso IX, do art. 3º a pessoa com mobilidade reduzida designando como aquela que:

Art. 3º (…)

IX – pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso;

Ainda, foi instituída à Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019 como Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade (Programa Especial), com o objetivo de analisar processos que apresentem indícios de irregularidade e potencial risco de realização de gastos indevidos na concessão de benefícios administrados pelo INSS.

Não menos importante, em 22 de março de 2021 foi sancionada a Lei 14.126 que classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.

4. DISCRIMINAÇÃO

Segundo DELGADO, discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada”. (DELGADO, 2008, 774)

Ainda de acordo com o supramencionado autor,

A causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, etc.) Ou, como afirma Ronald DWORKIN, do fato de ser membro de um grupo considerado menos digno de respeito, como grupo, que outros. (DELGADO 2008, p. 774)

Destarte, destaca-se que a discriminação pode, é obvio, “também derivar de outros fatores relevantes a um determinado caso concreto específico”. (DELGADO 2008).

Ato contínuo, Araújo ainda menciona que a discriminação “tem amplitude maior e agente diverso do preconceito; neste, o ato praticado é pelo indivíduo; naquela, não somente pelo indivíduo, mas por instituições, empregadores, etc.”. (ARAUJO, 2006 p.106). Complementa aduzindo que o estereotipo, por sua vez, “é a rejeição ao seu outro igual”. (ARAUJO, 2006, p.107)

Certo para Araújo (2006) é que o preconceito gera opinião negativa, antes de serem obtidos elementos para um julgamento imparcial.

Tais reflexos negativos apresentados nos comportamentos de algumas pessoas refletem-se na estranheza e a dificuldade de aceitar o que é “incomum” (ARAUJO, p.106 -107) e, ainda acrescenta que

somos violentos quando desconhecemos a diversidade que existe na natureza humana, o que por consequência, por puro preconceito, faz suprirmos a variedade de espécie que convivem em nossa sociedade. O preconceito está arraigado o inconsciente popular. Interfere, diretamente, no ato da discriminação, visto que consiste em prévio julgamento mediante generalização ou mistificação, sem distinguir as dimensões do individuo ou grupo social. As qualidades são enxergadas no aspecto negativo, o que por consequência leva à estigmatização do grupo excluído. (ARAÚJO, 2006, p.107)

O que de fato fica explicitado na obra de Araújo é que o preconceito e discriminação não se confundem. “O preconceito legitima a discriminação e esta, por sua vez, gera o preconceito”. (ARAÚJO, 2006, p.107)

Há uma desvalorização daquele que apresenta uma alguma diversidade, sendo considerado indigno de coexistir no mesmo espaço, excluído moralmente. (ARAÚJO, 2006, p.107)

Neste sentido, há de se ter a inclusão, sem qualquer amostra de sentimento de pena ou compaixão, e por isso, que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, IV, diz que entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil está o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e o seu artigo 5º, XLI, preceitua que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades individuais”.

Para Delgado a relevância, no direito atual, do combate antidiscriminatório erigiu ao status de princípio a ideia de não discriminação.

O princípio da não discriminação seria, em consequência, a diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente desqualificante. O referido princípio rejeita validade jurídica a essa conduta discriminatória. (DELGADO, 2008, p. 775)

Delgado (2008), trazendo a baila os dizeres de Ronald Dworkin, declara haver uma certa dúvida “sobre se cabe falar-se em princípio de não discriminação ou princípio de isonomia, como proposição geral externa aplicável ao ramo justrabalhista especializado”. (Dworkin apud DELGADO, 2008, p.776) Em seguida, o retro citado autor (2008) expressa ser razoável a imprecisão, pois, afinal na é pacífica a própria diferenciação entre as duas noções.

Analisando friamente ambas as ideias, Delgado (2008) afirma que o princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. Já o princípio da isonomia é mais amplo, mais impreciso, mais pretensioso. Ela ultrapassa, sem dúvida, a mera não discriminação, buscando igualizar o tratamento jurídico a pessoas ou situações que tenham relevante ponto de contato entre si.

Destarte, Delgado (2008) afirma que de fato, o direito do trabalho, incorporou, rigorosamente, como critério básico, apenas o princípio da não discriminação. Isso porque,

a noção de isonomia, igualdade, por sua amplitude, não seria compatível com a diversidade inerente à vida real e nem com os próprios objetivos essenciais do direito do trabalho, que busca estabelecer, segundo Plá Rodrigues, um nível mínimo de proteção. Poderá este jurista que o direito busca é evitar o atraso ao nível normal ou geral, mas não se pretende equiparar todos no nível mais alto, porque alguém o obteve. Afinal, o direito não visa proibir todas as diferenças, mas só as diferenças injustificadas, que costumam ser identificadas pela palavra discriminação (DELGADO, 2008, p. 778)

Concluindo esta etapa, imprescindível trazer a baila algumas expressões marcantes da obra de Jorge Luiz Souto Maior, onde manifesta as ideias de Hannah Arendt aduzindo que

A fúria não é de modo nenhum uma reação automática diante da miséria e do sofrimento em si mesmos; ninguém se enfurece com uma doença incurável ou um tremor de terra ou com condições sociais que pareçam impossíveis de modificar. A fúria irrompe somente quando há boas razões para crer que tais condições poderiam ser mudadas e não o são. Só manifestamos uma reação de fúria quando nosso senso de justiça é injuriado; tal reação em absoluto não se produz por nos sentirmos vítimas da injustiça, como prova toda a história das revoluções, nas quais o movimento começou por iniciativa de membros das classes superiores, conduzindo à revolta dos oprimidos e miseráveis.

Meu estado de espírito sintetiza estes dois sentimentos e os supera; sou pessimista com a inteligência, mas otimista pela vontade. (MAIOR, 2000, p.8)

Com efeito, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, em seu art. 4º, assevera que:

Art. 4º. Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. (grifei)

§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

Ainda preleciona em seu art. 5º que “a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante”. (grifei)

Inelutável, por fim, que o Estatuto da pessoa com deficiência[2] reserva especial atenção às pessoas mais vulneráveis, tais como a Criança, o adolescente, a mulher e o idoso, como firmado no parágrafo único do artigo 4º.

5. PRINCÍPIOS – SUPORTES DE PROTEÇÃO JURÍDICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

5.1. Princípio da igualdade

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5ª, XXI, anuncia expressamente a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência” (BRASIL, 1988). No art. 5ª, Caput dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988).

Analisando estas considerações trazidas na Constituição da República Federativa do Brasil, Lopes (2005) menciona que a superficialidade analítica do tema poderia levar à conclusão equivocada de que a proteção dada à pessoa com deficiência poderia levar a uma quebra do princípio constitucional da igualdade. No entanto, demonstrar-se-á que isto não ocorre.

Alexandre de morais citado por Lopes (2005) menciona que

A constituição Federal de 1988 adotou o principio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio da constitucional quando o elemento discriminatório não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. (LOPES, 2005, p. 83)

Destarte, imperioso destacar que o direito do trabalho já possui esta característica marcante de proteger o hipossuficiente na relação contratual de modo a tentar “reduzir as desigualdades existentes entre os detentores do capital e da força do trabalho, mediante normas elaboradas e interpretadas de acordo com o princípio do trabalho”. (LOPES, 2005, p.84) Para muitos, leigos e estudiosos, esta característica ficou conhecida como “discriminação legítima”.

O que de fato identifica, de acordo com Lopes (2005) é que a constitucionalização do princípio da igualdade vem seguida ao surgimento do estado moderno que busca introduzir uma construção jurídica formal que visa acabar com os privilégios oriundos de determinadas castas sociais.

No entanto, a pratica demonstrou que esta igualdade puramente formal “não era capaz de coibir as injustiças e a discriminação”. (LOPES, 2005, p.85) Oportunamente Lopes comentando o tema aduz que

A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar os primeiros ao mesmo nível de partida. Em pés de igualdade de oportunidades, importava falar em igualdade de condições. (LOPES, 2005, p. 85)

Deste modo, surge a necessidade de materialização do conceito de igualdade, que implicaria em uma análise pormenorizada de cada caso concreto de modo a identificar qual tratamento deveria ser aplicado “evitando-se o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades geradas pela própria sociedade”. (LOPES, 2005, p.85)

De fato, a noção de igualdade assumirá, no curso da evolução histórica, três diferentes feições, que se manifestarão em etapas distintas (mas que serão sobrepostas umas às outras) e aderentes a circunstâncias sociais mutantes: primeiramente, o princípio da igualdade afirma-se como meramente formal; depois, ele concretiza-se em uma acepção material; mais tarde, no entanto, tende a converter-se em uma noção real (ROMITA, 1999, p.15).

Aliado à previsão da igualdade com princípio constitucional, “os Estados Democráticos criaram uma série de leis que visam a evitar a discriminação”. (LOPES, 2005, p.87).

Diante do entendimento arguido, diversos autores concluíram que as ações afirmativas são consideradas uma evolução do próprio modelo repressor, visto que dentro do conteúdo normativo regulador contém “um comando no sentido de proibir a discriminação e outro no sentido de minorar os efeitos gerados por esta discriminação”. (LOPES, 2005, p.89)

O princípio da igualdade, no ordenamento jurídico brasileiro ocupa lugar de destaque: é, ao mesmo tempo, direito fundamental (art. 5º, caput, CF/88), objetivo fundamental (art. 3º, CF/88) e parte integrante do preâmbulo (“…instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade…”).

Isso porque, como aduz Celso Antônio Bandeira de Mello,

A lei não dever ser fonte de privilégios, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político – ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. (MELLO, 2004, p.10)

Harmonizada com este progresso, a Organização Internacional do Trabalho aprovou, em 1953, a Convenção n. 159, que no seu artigo 4º, coloca com extrema clareza o propósito da ação afirmativa na promoção da igualdade de oportunidades:

Essa política deverá ter como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral. Dever-se-á respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos.

Ressalta-se que não basta a simples exigência de pressupostos fáticos múltiplos para que a lei distinga situações sem afronta à isonomia. Evidente, ainda, que não é plausível que poder arguir-se qualquer fundamento racional, pois nem toda lógica autoriza desequipará, mas limitar-se aquele que orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima.

De suma importância reafirmar, que o ‘Estatuto da pessoa com deficiência’, regido pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, em seu art. 4º, caput, enfatiza que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. (grifei)

Aliás, não poderia ser diferente, já que o sentido do estatuto da pessoa com Deficiência[3], instituído no Brasil destina-se a “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”. (grifei)

5.2. Princípio da razoabilidade

O princípio da razoabilidade é um precioso instrumento de realização da justiça no caso concreto, sendo consequência natural do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal, bem como uma versátil ferramenta de proteção de direitos e do interesse público contra o abuso de discricionariedade, que tanto pode advir do legislador, como também do administrador.

O princípio da razoabilidade, segundo Delgado, “denota que o ser humano, em suas relações sociais, procede e deve proceder conforme a razão”. (DELGADO, 2003, p. 96)

Para Delgado o princípio da razoabilidade representa óbice ao descomedimento do jus variadi (ato abusivo), tendo simples visualização nos “casos de aplicação de punição excessiva ou transferência de função ou horário com a finalidade de prejudicar direitos ou o cumprimento do contrato de trabalho”. (DELGADO, 2003, p. 96)

A igualdade, para atingir sua finalidade precípua, deve atrelar-se, intimamente ao principio da razoabilidade, colhendo uma das outras a ajuda necessária.

Inobstante sobredito, incumbe servir-se do princípio da proporcionalidade para identificar as hipóteses de desequiparação juridicamente palatáveis (desde que haja, então, fundamento razoável e fim legítimo).

5.3. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade foi invocado primeiramente para explicar a imposição de restrições a determinados direitos, hipótese em que se averiguava a adequação dos meios empregados para a consecução dos objetivos almejados. (ROMITA, 1999, p.19)

A repartição dos deveres e ônus correspondentes deve se dar satisfazendo a igualdade relativaou proporcional. Já que o direito ao trabalho é um dos direitos fundamentais (art. 6º), a “distribuição compatível” desse direito que contemple também os deficientes deverá observar, obrigatoriamente, o princípio da proporcionalidade. Desse modo, a distribuição dos cargos e empregos, tanto no setor público, quanto no privado, deverá ser feita de maneira equitativa e proporcional. (ROMITA, 1999, p.19)

Robert Alexy, citado por Delgado ainda chama tal princípio de máxima e nesta “reconhece a presença de três máximas parciais, da adequação, da necessidade (postulado do meio mais benigno) e da proporcionalidade em sentido estrito (postulado de ponderação propriamente dito)”. (DELGADO, 2004)

Paulo Bonavides, com suporte na doutrina de Pierre Muller, lembra que o princípio envolve “uma obrigação e uma interdição; obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionais”. (DELGADO, 2004)

Delgado inspirado na doutrina de Robert Alexy ainda menciona que o princípio da proporcionalidade “é mandado de ponderação e este mandamento deve presidir, regra geral, qualquer relação social, estando, particularmente inserido no núcleo, na essência da função judicante”. (DELGADO, 2004)

Ante o exposto, tem-se que o princípio da proporcionalidade está direcionado para a justiça do caso concreto, se aparenta consideravelmente com a equidade, além de ser um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais.

6. DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Imprescindível aclarar que as pessoas com deficiência estão sujeitas às leis assim como qualquer outra pessoa. São alvos dos mesmos deveres e consequentemente dos mesmos direitos. Todavia, pelo fato de apresentarem uma condição que pode ser tomada como fator de discriminação, em diversas modalidades da vida cotidiana, o ordenamento jurídico dispensa sobre elas um tratamento diferenciado, de modo a inseri-los em condições de igualdade na disputa por um trabalho.

Assim, a abordagem curial a ser denotada é o direito ao trabalho, que envolve o acesso ao mercado formal de trabalho e a própria proteção ao trabalho e ao emprego. Agregado ao exposto, imprescindível tratar-se aqui, das questões ligadas a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência.

Entretanto, juntamente com ele, existem outros direitos que também devem ser mencionados, por se tratarem de “instrumentos”, “meios” de consecução e preservação de um trabalho digno e capaz de atender a todas às necessidades dos deficientes. Tais direitos são os direitos à educação, à Seguridade Social, ao lazer, à cultura, ao desporto, ao turismo, à acessibilidade e ao transporte adequado, entre outros que serão temas da presente discussão.

6.1. Do direito ao trabalho

6.1.1. A proteção do acesso ao mercado de trabalho e do próprio trabalho e emprego

A pessoa com deficiência tem, como qualquer outra, direito a um trabalho digno, que satisfaça completamente suas necessidades, porque além de ser, ele próprio, “uma necessidade vital, é também, e aí sua importância maior, o seu libertador, tanto individual como socialmente”. (FERRARI, 1998: 15)

Atrelado a relevada importância dispensada ao trabalho, como fator de libertação, crescimento e dignidade do ser humano, o Decreto n. 3.298/99 em seu artigo 34 diz que é finalidade primordial da política de emprego “a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho ou a sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial de trabalho protegido”. (DECRETO 3.298/99)

A colocação competitiva, segundo o decreto 3.298/89 consiste no

Processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais (art. 35, I). (DECRETO, 3.298/89)

A colocação seletiva, por sua vez, é “o processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização” (art. 35, II). O Decreto explica, então, o que são procedimentos especiais e apoios especiais, nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo 35:

(…)

§2º – Consideram-se procedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às suas especificidades, entre outros.

§3º – Consideram-se apoios especiais a orientação, a supervisão e as ajudas técnicas entre outros elementos que auxiliem ou permitam compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, de modo a superar as barreiras da mobilidade e da comunicação, possibilitando a plena utilização de suas capacidades em condições de normalidade.

(…)

Ato contínuo, a Lei nº. 9.867/99 faculta às pessoas com deficiência a composição de “cooperativas sociais”, constituídas com o desígnio de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico (dentre as quais se incluem os deficientes – art. 3º, I e II), por meio do trabalho, e fundamentadas no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos.

O artigo 35 do Decreto n. 3298/99 prevê, ainda, em seu parágrafo 1º, que as entidades beneficentes de assistência social poderão intermediar a inserção laboral das pessoas com deficiência, através das formas de colocação seletiva e promoção de trabalho por conta própria (art. 35, II e III).

Assim, o desígnio principal sempre foi o de empregar as pessoas com deficiência física no mercado de trabalho livre com incentivos positivos. Contudo, em não sendo isto possível ante a gravidade da deficiência ou, na remota hipótese de faltar habilitação ao trabalho, a Lei 3.298/89 criou também oficinas protegidas de produção ou terapêuticas.

No entanto, frisa-se que as atividades exercidas pelas pessoas com deficiência no âmbito das oficinas terapêuticas não configura vínculo de emprego. A justificativa desse tratamento diferenciado está no fato de que a finalidade principal é a integração social e não a relação de trabalho. Desde que, por óbvio, não reste mascarada uma efetiva relação de emprego.

Por outro lado, ainda sobre a caracterização ou não de relação empregatícia oriunda da prestação de serviços pelas pessoas com deficiência, existe a portaria nº 772/99 do ministério do trabalho e do emprego, que assim dispõe

Art. 1º – O trabalho da pessoa portadora de deficiência não caracterizará a relação de emprego com o tomador de serviços, se atendidos os seguintes requisitos:

I – realizar-se com a intermediação de entidade sem fins lucrativos, de natureza filantrópica e de comprovada idoneidade, que tenha por objetivo assistir ao portador de deficiência;

II – a entidade assistencial intermediadora comprovar a regular contratação dos portadores de deficiência nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho;

III – o trabalho destinar-se a fins terapêuticos, desenvolvimento da capacidade laborativa reduzida devido a deficiência, ou inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho;

IV – igualdade de condições com os demais trabalhadores, quando os portadores de deficiência estiverem inseridos no processo produtivo da empresa.

§ 1º O trabalho referido neste artigo poderá ser realizado na própria entidade que prestar assistência ao deficiente ou âmbito da empresa que para o mesmo fim celebrar convênio ou contrato com a entidade assistencial.

§ 2º O período de treinamento visando à capacitação e inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho não caracterizará vínculo empregatício com o tomador ou com a entidade sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, se inferior a seis meses.

Insofismável a importância e a atuação do Ministério Público do trabalho e emprego frente aos interesses das pessoas com deficiência.

Importante destacar, também, o disposto no capítulo VI, seção I, da Lei nº 13.146[4], de 6 de julho de 2015, em seu artigo 34º ao mencionar que “a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. (grifei)

Prossegue reafirmando, no § 1º do art. 34º que “as pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos”. (grifei)

No § 2º e 3º do art. 34 a lei 13.146 veda qualquer discriminação e destaca que a “pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor” (§ 2º) (grifei) e, ainda, “é vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena”. (§ 3º) (grifei)

E prossegue reafirmando deveres instituídos através da Lei Brasileira de inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com deficiência):

Art. 34º

(…)

§ 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.

§ 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação.

Nesse espeque, imprescindível o manejo adequado das políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas à promoção e garantia de condições de acesso e permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho.

7. DA RESERVA DE MERCADO DE TRABALHO

7.1 A inserção da pessoa com deficiência nas empresas privadas

A Constituição Federal de 1988 dispensou, como já salientado, tratamento protetivo às pessoas com qualquer tipo de deficiência dentro do mercado formal de trabalho bem como reservou imensurável guarida do acesso destas pessoas em condições de igualdade nestes ambientes.

Destarte, a distância entre a criação da norma e a produção do resultado pretendido é, em parte das vezes, “grande o suficiente para enfraquecer o objetivo inicialmente estabelecido, desanimando os idealizadores e destinatários da norma”. (ARAUJO, 2006, p.134)

Para Lopes, o sistema de reserva legal de vagas ou sistema de cotas é

o mecanismo compensatório utilizado para inserção de terminados grupos sociais, facilitando o exercício dos direitos ao trabalho, à educação, à saúde, ao esporte, etc. É uma forma de ação afirmativa com intuito de tentar promover a igualdade e o equilíbrio de oportunidades entre os diversos grupos sociais. (LOPES, 2005, p. 93)

Ato contínuo, tendo em vista esse tratamento diferenciado trazido pela Carta Magna de 1988, no art. 7º, XXXI, segundo o qual é direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Este comando (que deve ser conjugado com a Convenção n. 159 da OIT) foi instrumentalizado, pela legislação ordinária, através do artigo 93 da Lei 8213/91, segundo o qual

Art. 93 – As empresas com 100 (cem) ou mais empregados estão obrigadas a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados …………………. 2%

II – de 201 a 500 ………………………….. 3%

III – de 501 a 1.000 ………………………. 4%

IV- de 1.001 em diante ………………….. 5%

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Desse modo, percebe-se uma redação objetiva e com influências da ação afirmativa, apesar de ter excluído o imenso contingente de pequenas empresas.

Também deve ser lembrado que estão sujeitas ao cumprimento do artigo 93, as empresas privadas, as cooperativas, as associações ou entidades de qualquer finalidade, dentre outras. Cumpre ser esclarecido, além disso, que não contarão para a cota citada, as contratações efetuadas mediante a intermediação de entidades beneficentes, pois a lei prevê a reserva de vagas nos cargos da própria empresa.

Os casos de dispensa sem justa causa de acidentado reabilitado, previstos no § 1º do artigo 93, como lembra OLIVEIRA. (2002), só poderão ocorrer se, cumulativamente: 1) o número de empregados reabilitados e deficientes habilitados estiver pelo menos no limite do piso estabelecido; 2) for admitido outro empregado em condição semelhante, de modo a garantir o percentual mínimo. Seria o caso, portanto, de uma “estabilidade provisória sem prazo certo, pois terá duração até a admissão de outro trabalhador em condição semelhante, mesmo assim quando cota mínima estiver preenchida”. (OLIVEIRA, 2002, p. 343) Esta estabilidade provisória é um complemento da garantia prevista no artigo 118 da Lei n. 8213/91.

7.2. Da reserva de cargos no âmbito público

A Constituição Federal de 1988 dispôs, em seu artigo 37, VIII, que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”Esta proteção se dá em relação ao trabalho para o ente estatal (funcionários ou servidores públicos da administração direta, autárquica ou fundacional), incluindo também as empresas públicas e sociedades de economia mista que se sujeitam ao regime das empresas privadas para fins de legislação do trabalho, mas que têm a obrigatoriedade de realização de concurso público para admissões (art. 37, II, c/c art. 173, CF/88)

O artigo 37, VIII, corresponde ao artigo 5º, § 2º, da Lei 8112/90, que inseriu a obrigatoriedade de reserva de até 20% (vinte por cento) das vagas abertas ao concurso público para preenchimento por pessoas portadoras de deficiência.

O Decreto 3.298/89 ainda disciplina as regras que deverão constar nos editais, pautando-as por critérios concernentes à cidadania do candidato com deficiência. Com o intuito de fixar condições de igualdade, segundo Lopes (2003) o Decreto determina que a autoridade competente não pode obstar a inscrição do deficiente, que por sua vez, deve declarar e comprovar sua condição, indicando os instrumentos de adaptação que poderá necessitar durante a realização do concurso e do estágio probatório. Devem estar previstos, também, o número de vagas existentes e o total correspondente à reserva destinada às pessoas com deficiência, bem como as atribuições e tarefas essenciais dos cargos a serem ocupados.

Para Dias (2001) a pessoa com deficiência participará do concurso em igualdade de condições com os demais candidatos, no que se refere ao conteúdo e aplicação das provas, aos critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação dos exames, a nota mínima exigida, publicação dos resultados finais como àquelas relativas ao acesso livre e desimpedido aos locais de realização do certame.

Por derradeiro, salutar mencionar que a reserva de vagas em concurso público para pessoa com deficiência não é norma de Direito do Trabalho, mas sim de consecução de política pública de promoção de direitos das pessoas com deficiência.

8. HABILITAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E SOCIAL

A habilitação profissional, de acordo com o artigo 28, § 3º do Decreto 3.298/99, é o

processo destinado a propiciar à pessoa portadora de deficiência, em nível formal e sistematizado, aquisição de conhecimentos e habilidades especificamente associados a determinada profissão ou ocupação. (LEI 3.298/99)

Para Castro,

a habilitação e reabilitação profissional são serviços que devem propiciar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e (re) adaptação profissional e social indicados para participar do mer-cado de trabalho e do contexto em que vivem. (CASTRO, 2008, p. 635)

Para o Estatuto da Pessoa com Deficiência[5], no Brasil, em seu § 2º, do art. 36º

A habilitação profissional corresponde ao processo destinado a propiciar à pessoa com deficiência aquisição de conhecimentos, habilidades e aptidões para exercício de profissão ou de ocupação, permitindo nível suficiente de desenvolvimento profissional para ingresso no campo de trabalho.

Nos termos da Lei 13.146, em seu art. 36º, “o poder público deve implementar serviços e programas completos de habilitação profissional e de reabilitação profissional para que a pessoa com deficiência possa ingressar, continuar ou retornar ao campo do trabalho, respeitados sua livre escolha, sua vocação e seu interesse”.

A intenção da Lei é que os serviços de habilitação profissional, de reabilitação profissional e de educação profissional sejam capazes de atender a toda modalidade de deficiência, e, sobretudo, oportunizando à pessoa com deficiência, perspectivas de obtê-lo, de conservá-lo e de nele progredir.

Para Castro, habilitação não se confunde com reabilitação, posto que

a primeira, é a preparação do inapto para exercer atividades, em decorrência de incapacidade física adquirida ou deficiência hereditária. A segunda pressupõe a pessoa ter tido aptidão e tê-la perdido por motivo de enfermidade ou acidente. Tecnicamente o deficiente não é reabilitado e, sim, habilitado. (CASTRO, 2008, p. 635)

Afirma Castro que a reabilitação profissional abarca o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumento de subsídio para locomoção quando o dano ou redução da habilidade funcional puder ser atenuada por seu uso e os equipamentos imprescindíveis à habilitação e à reabilitação social e profissional, e, quando forçoso, o transporte do acidentado do trabalho. (CASTRO, 2008, p. 635)

A reabilitação profissional começou a ser implementada de forma definida e consistente após a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, foi com a Segunda Grande Guerra que sua adoção foi realmente priorizada, mesmo com relação aos civis, pela necessidade de mão-de-obra e de propiciar rendimentos e uma vida social digna às pessoas com deficiência. Percebeu-se que são poucos os trabalhos que exigem 100% de integridade física, sendo viável a utilização da capacidade residual do deficiente para outras tarefas compatíveis com a sua limitação.

Tendo em vista esta evolução, as regras gerais sobre a habilitação e a reabilitação profissional estão previstas nos arts. 89 a 93 da Lei n. 8.213/91 e nos arts. 136 a 141 do decreto n. 3.048/99.

Esta última prevê, no art. 89 caput, que a habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas com deficiência (ainda que congênita), os meios para a (re)educação e (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vivem. Também prevê, como já visto, no seu artigo 93, a obrigatoriedade de reserva de cargos para deficientes habilitados e reabilitados, em empresas com mais de 200 empregados.

O Decreto n. 3.298/99, por sua vez tratou de conceituar a reabilitação, em seu artigo 17, § 1º, sendo esta

o processo de duração limitada e com objetivo definido, destinado a permitir que a pessoa com deficiência alcance o nível físico, mental ou social funcional ótimo, proporcionando-lhe os meios de modificar sua própria vida, podendo compreender medidas visando a compensar a perda de uma função ou uma limitação funcional e facilitar ajustes ou reajustes sociais. (DECRETO, 3.298/89)

Este tratamento diferenciado tem razão, posto que, como assinalada Oliveira, “o incapacitado deve ter seu lugar assegurado no seio da sociedade, na comunidade em que vive, na indústria em que trabalha em função exclusivamente daquilo que é capaz de produzir”. (OLIVEIRA, 2002, p. 349)

9. CRIMINALIZAÇÃO DO PRECONCEITO

Em resposta ao preconceito referente às pessoas com deficiência e existente em todas as áreas da vida cotidiana, entendeu por bem o legislador tornar crime determinadas condutas discriminatórias.

Tal previsão foi feita no artigo 8º da Lei n. 7853/89, in verbis:

“Art. 8º – Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:

I – recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta;

II – obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivos derivados de sua deficiência;

III – negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho;

IV – recusar, retardar ou dificultar internação ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível, à pessoa portadora de deficiência;

V – deixar de cumprir, retardar ou frustrar, sem justo motivo, a execução de ordem judicial expedida na ação civil a que alude esta lei;

VI – recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta lei, quando requisitados pelo Ministério Público”.

O objetivo do legislador foi nobre e sua iniciativa merece aplausos, mas a redação deste artigo contém alguns problemas que podem dificultar sua aplicação. Tome-se como exemplo o inciso III: houve a inserção, no tipo penal, de elemento normativo (“justa causa”), sem esclarecer quais seriam as justas causas. Além da imprecisão relativa à redação do inciso, existirá, no caso concreto, dificuldade de produzir prova no sentido de que ocorreu, realmente, a discriminação. Seria necessária a fixação legal das causas e circunstâncias que justificariam a recusa do trabalho ou emprego. Assim, imperiosa é a elaboração legislativa referente aos critérios de seleção e contratação da pessoa com deficiência, em qualquer setor da iniciativa privada, seja qual for o número de empregados já contratados (LUDWIG, 1995, p. 193-194).

O Estatuto da Pessoa com deficiência no Brasil, regulamentado pela Lei 13.146 no capítulo II, título II, reservou normas com respaldo à criminalização praticados contra à pessoa com deficiência, estabelecendo, em seu artigo 88º que qualquer pessoa que pratique, induza ou incite à discriminação de pessoa em razão de sua deficiência responderá com pena de reclusão, de um a três anos, além de multa.

Outras disposições foram estabelecidas pela lei:

Art. 89. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido:

I – por tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; ou

II – por aquele que se apropriou em razão de ofício ou de profissão.

Art. 90. Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres:

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.

Art. 91. Reter ou utilizar cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com deficiência destinados ao recebimento de benefícios, proventos, pensões ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço) se o crime é cometido por tutor ou curador.

Infelizmente, a discriminação se concretiza através de sutis estratégias de recusa de trabalho ou emprego por parte de quem os oferta, pois a subjetividade para admitir, ou não, alguém é de tal ordem, que torna-se muito difícil a conclusão do cometimento do crime. (LUDWIG, 1995, p. 197). O juiz tem que analisar, devidamente, o caso concreto para verificar a ocorrência da discriminação e julgar segundo o bom senso, para que não se cometa nenhuma injustiça.

10. A EFICÁCIA INTERNA DAS NORMAS – A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DOS DIREITOS COLETIVOS E DIFUSOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O Ministério Público adquiriu, a partir da Constituição Federal de 1988, nova configuração, quando foi colocado como instituição permanente (e não dentre a organização dos poderes), essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis.

A Constituição Federal estabeleceu, para tanto, em seu artigo 129, o seguinte:

Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;(BRASIL, 1988)

Como se percebe, os instrumentos utilizados por tal instituição, em defesa dos direitos coletivos e difusos, são o inquérito civil e a ação civil pública.

Segundo o artigo 6º da Lei n. 7853/89, o Ministério Público poderá instaurar inquérito civil, ou requisitar, de qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou particular, certidões, informações, exames ou perícias. Ele vai apurar, através deste procedimento investigatório, se realmente existe descumprimento da legislação protetiva dos interesses das pessoas com deficiência, para verificar, posteriormente, se é viável a instauração de ação civil pública.

A ação civil pública, por sua vez, é regulada pelas Leis n. 7347/85 e n. 7853/89, esta dispondo especificamente sobre o apoio aos deficientes, com a previsão, em seu artigo 3º, de ações civis públicas destinadas à proteção dos interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência, propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados, Municípios e Distrito Federal; por associação constituída há mais de 01 ano, nos termos da lei civil; autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção destas pessoas.

Mister se faz a conceituação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, também passíveis de proteção, através das ações do Ministério Público.

Tal definição se encontra no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078/90), nos incisos do parágrafo único do artigo 81:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, LEI 8.078/90)

Assim sendo, o que diferencia estes três tipos de direitos, segundo LORENTZ (2001) não é propriamente a matéria, mas sim a pretensão de direito material e a tutela jurisdicional buscadas na ação.

O Ministério Público do Trabalho, que é um dos ramos do Ministério Público da União, através das Coordenadorias de Defesa dos Interesses Individuais Indisponíveis e Interesses Difusos e Coletivos – CODIN – tem perseguido o cumprimento dos dispositivos constitucionais e legais, quando são ignorados os direitos das pessoas com deficiência, vinculados a uma relação de trabalho.

Dessa forma, havendo ofensa ao direito das pessoas com deficiência ao acesso a cargos públicos, ou quando a empresa não preenche o quadro de pessoal com observância do piso estabelecido no artigo 93 da Lei n. 8213/91, poderá ser feita a denúncia por qualquer cidadão ao Ministério Público do Trabalho, para que este, se comprovado pelas vias legais a procedência da mesma, impetre a ação civil pública contra quem está descumprindo a lei.

Em caso de empresas privadas, cooperativas, dentre outras, o artigo 93 da Lei n. 8213/91, como já visto, dispõe de um critério objetivo para verificar se as mesmas estão seguindo a proporcionalidade prevista obrigatória.

A negativa de firmar o termo de compromisso, ou o seu descumprimento, obriga o Ministério Público do Trabalho ao ajuizamento da ação civil pública, para a proteção de direitos difusos da pessoa portadora de deficiência e a execução da multa prevista no termo de ajuste de conduta. (SEVERINO, 1999, p.53)

Através da ação civil pública, o MPT exigirá o cumprimento da norma pela empresa, requerendo a fixação de multa diária (astreintes) para constranger o empregador recalcitrante a cumprir a obrigação legal, podendo-se cumular o pleito com a antecipação de tutela. (IANTAS, 1999, p. 53)

A sentença que julgar a ação civil pública, de acordo com o artigo 4º, caput, da Lei 7853/89, “terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido julgada improcedente por deficiência de prova, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.

Entretanto, o Ministério Público não intervém apenas em ações que versem interesses coletivos ou difusos relacionados à proteção das pessoas com deficiência. Intervirá em qualquer ação em que um portador de deficiência seja parte, posto não se trate de incapaz, para os fins do Código Civil, desde que o objeto desta ação esteja relacionada à deficiência. (MAZZILLI, 1999, p. 53)

11. CONLUSÃO

Configurado todo possível estudo normativo, insofismável serem as leis a previsão de todos os direitos, que quando confrontadas com a realidade concreta, não resolvem, por si sós, as questões de fato.

Uma das principais implicações da atualização contemporânea do tema manejado se encontra na atual necessidade de controle do sistema jurídico como instrumento de regulação das normas e de sua aplicabilidade.

Confrontando às análises se percebe uma larga regulação jurídica abrangente modulando as formas e processos de inserção do trabalhador deficiente físico ao mercado de trabalho.

A consequência do exposto está implícita na exata medida da inaplicabilidade das normas jurídicas, uma vez que a mera elaboração de leis reguladoras não tem em si eficácia plena, necessitando de políticas complementares de incentivos fiscais/financeiros para alcançar seu fim desejado, suprimindo o “tratamento desigual que é dispensado pela sociedade e restabelecer o equilíbrio entre os indivíduos que ocupam posições desiguais perante as oportunidades de emprego”. (BEZERRA, 2008, p.170)

Noutro modo parece evidente a necessidade da participação efetiva do Estado como mecanismo de garantia dos comandos normativos constitucionais. Neste ambiente reporta-se ao doutrinador Rodolfo Viana Pereira, que sustenta em sua obra Direito Constitucional Democrático O controle como Princípio Constitucional, considerado por ele como “uma via de adequação da realização da constituição, um segundo olhar sobre a própria concretização da sua força normativa”. (PEREIRA, 2008, p.218)

Para o referido autor, (2008) o elo imprescindível entre os termos controle e constituição nasce da essencialidade do primeiro como mecanismo de garantia da viabilidade do segundo. Menciona ainda que

Quando não há controle, não ocorre apenas o fato de a constituição ver debilitadas ou anuladas suas garantias constitucionais, ou que se faça difícil ou impossível sua realização, ocorre, simplesmente, que não há constituição. (PEREIRA, 2008, p.218)

Afigura-se oportuno, já que para o mesmo autor o

poder apresenta-se, pois, como a imagem refletida do poder, a possibilidade constitucionalmente instaurada de submeter o exercício desse à apreciação crítica de um agente que, também exercendo a sua parcela de poder normativo (poder de controle), transpõe a atividade originária a um patamar de legitimidade duplicada. (PEREIRA, 2008, p.218)

Obviamente, exaurido o comando supra, verifica-se que o ponto cardeal está atrelado ao próprio sentido de Estado constitucional, inerente ao próprio conceito de constituição.

Noutro ponto, como assevera Lopes (2005) a contratação das pessoas com deficiência física não pode ser feita apenas para cumprir regras e evitar punições, mas para proporcionar a efetiva inclusão deste grupo.

Assim, Lopes traz a baila o artigo 24 da lei nº 10.098/00, que impõe ao poder público cumprir com tais disposições no sentido de

promover campanhas informativas e educativas dirigidas à população em geral, com a finalidade de conscientizá-la e sensibiliza-la quanto à acessibilidade e à integração social da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (LOPES, 2005, p.118)

Para a mesma autora,

a debilidade de formação educacional é também responsável pelos outros problemas periféricos, como a falta de transportes, locais adaptados com rampas, uso do braile, dispositivos sonoros, etc., apesar da existência da Lei n. 10.080/00, pois falta a preparação dos cidadãos para conceberem ambientes e situações em que todos, resguardadas as diferenças, possam sentir-se inclusos. (LOPES, 2005, p.117)

Desta forma, salutar esclarecer que para alguns autores, dentre eles Pereira (2008) o controle chega a ser um quarto poder elevado como principio constitucional inerente à satisfação dos direitos insertos na carta suprema. Pereira ainda menciona que “o controle é hoje uma função estatal autônoma e independente no interior da estrutura constitucional”. (PEREIRA, 2008, p.219)

Assim sendo, como então efetivar os direitos assegurados pela constituição Federal?

A resposta que mais se aproxima é do entrelaçamento entre dois pilares, eficácia, de um lado, e acesso ao poder judiciário, de outro.

Tornar as corporações acessíveis a todos é apenas uma etapa do processo.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luiz Alberto David. Proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília: CORDE, 2003.

ARAÚJO, Luiz Alberto David.. Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2006.

ASSUMPÇÃO, Instituto Nossa Senhora da. Organização Internacional do trabalho – OIT. CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO. 2005.

BATISTA, Cristina Abranches Mota. A inclusão da pessoa portadora de deficiência no mercado formal de trabalho. 2002. 245f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.

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  1. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-Graduado em Direito do Trabalho na Dom Helder Câmara – Escola Superior De Advocacia De Minas Gerais, Lato Sensu. Aluno inscrito no Programa de Pós Graduação Strictu Senso da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Disciplina Isolada. 
  2. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015
  3. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015
  4. Estatuto da pessoa com deficiência. 
  5. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 

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