ATIVISMO JUDICIAL E O PRINCÍPIO DA AUTOCONTENÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
11 de outubro de 2021
Roberson Rezende Ribeiro[1]

Um protagonismo em potencial abrolha de forma incandescente na esfera do Judiciário como fruto de fenômenos empíricos, sopesados a partir das lacunas do positivismo, como forma de efetividade da extensão trabalhista dos direitos fundamentais.

A inércia de um dos poderes tripartidos da Federação acaba funcionando como uma mola propulsora na atuação proativa do judiciário na busca incansável da entrega efetiva da prestação jurisdicional como forma de concretização dos valores e fins constitucionais.

Em um ambiente de improbabilidades, a perda da segurança jurídica é, inquestionavelmente, o mais imediato efeito deste fenômeno conhecido como ativismo judicial.

Não restam dúvidas que o ativismo judicial rompe os paradigmas do sistema positivado, na medida em que o juiz, “evolua” para um sistema moderno, pautado na preservação dos interesses individuais, sem prejuízo da coletividade, fomentando soluções jurídicas que tenham como ponto cardeal diversas fontes do direito (seja ela positivada ou não positivada), trazendo em evidência os efeitos práticos aos jurisdicionados.

Inegável, portanto, que o ativismo judicial é uma escolha que geralmente se abriga em situações de retração do poder legislativo, fulminando em uma atitude proativa do judiciário, no intuito de ver-se atendidos os anseios sociais de modo efetivo.

Para Barroso,

“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (Barroso, Judicialização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acessado em 20.07.2021 às 22:52)

Por certo, a função do juiz deve ser desenvolvida com criatividade. Não é mais possível esperar, apenas e tão somente, que seja realizada uma reflexão do instrumento positivado e que, com base nele, se extraia premissas resultantes de sua exegese, mas que, muito além disso, seja o juiz um agente transformador, um protagonista nas soluções de conflitos.

Neste sentido, Maria Cecília Máximo Teodoro afirma que “a expressão ativismo judicial encontra-se definido por outras expressões tais como protagonismo judicial, atividade judicial criadora mediante utilização de cláusula geral, direito judicial, Judicialização da política, politização do Judiciário” (TEODORO, 2011, pag. 150).

Importante destacar que, por meio do ativismo judicial, este protagonismo se apresenta, através das mais variadas técnicas de hermenêutica, possibilitando a maior flexibilização do direito, sem prejuízo dos princípios indispensáveis da razoabilidade e proporcionalidade.

Urge salientar que a premissa cardeal para o desenvolvimento prático deste idealismo jurídico perpassa por seu conceito, conforme elucida com clareza Maria Cecília Máximo Teodoro Ferreira:

Por ativismo entende-se a atuação de um juiz que incorpora as vicissitudes do meio social, as conquistas das classes envolvidas, a própria evolução do Poder Judiciário e tem pode fim a realização dos direitos fundamentais. […] Pelo ativismo judicial o magistrado se mostra um protagonista e sua decisão cria a norma adequada para o caso concreto. (Ferreira 2009, p.204)

Invariavelmente, a ilustre professora destaca que “o ativismo judicial é a atuação do Juiz, ao conduzir para a aplicação abstrata da lei ao caso palpável, ao anseio social, as conquistas das classes e, ainda, a própria ascensão do Poder judiciário, com desígnio na realização dos direitos fundamentais”. (Teodoro, 2011).

Silva expressa que

O ativismo judicial se caracteriza por um modo pró-ativo de interpretação constitucional pelo Poder Judiciário, de modo que, não raro, os magistrados, na solução de controvérsias, vão além do caso concreto em julgamento e criam novas construções constitucionais, O ativismo judicial é uma forma de interpretação constitucional criativa, que pode chegar até a constitucionalização de direitos, pelo que se pode dizer que se trata de uma forma especial de interpretação também construtiva. (Silva, 2003, passim).

Gomes, citando Arthur menciona que:

É preciso distinguir duas espécies de ativismo judicial: há o ativismo judicial inovador (criação, ex novo, pelo juiz de uma norma, de um direito) e há o ativismo judicial revelador (criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, como é o caso do art. 71 do CP, que cuida do crime continuado). Neste último caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de um princípio ou de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa. (Gomes, Luiz Flávio. O STF está assumindo um ativismo judicial sem precedentes? Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2164, 4 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12921/o-stf-esta-assumindo-um-ativismo-judicial-sem-precedentes. Acesso em: 21.07.2021 às 21:59)

Não se pode olvidar, contudo, que a inserção desmedida do ativismo judicial pode violar o princípio natural da separação dos poderes, considerando que a evasão das decisões pode atingir à gestão dos demais poderes da união.

Com base nessa sistemática, Alexandre de Moraes alvitra com propriedade salutar uma solução que parece sinérgica com a ideia ora proposta, senão vejamos:

O bom-senso entre a “passividade judicial” e o “pragmatismo jurídico”, entre o “respeito à tradicional formulação das regras freios e contrapesos da Separação dos Poderes” e “a necessidade de garantir às normas constitucionais a máxima efetividade” deve guiar o Poder Judiciário e, em especial, o Supremo Tribunal Federal na aplicação do ativismo judicial, com a expressão de metodologia interpretativa clara e fundamentada, de maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo a análise crítica da opção tomada, com o desenvolvimento de técnicas de autocontenção judicial, principalmente afastando sua aplicação em questões estritamente políticas. (Moraes,2013, p.786)

Neste sentido, vale destacar, que o ativismo judicial, não se trata, portanto, de um percalço normativo, mas principiológico.

Não obstante todos os esforços trazidos pela celeridade criativista do sistema judiciário, o emprego do ativismo ainda é visto com cautela, haja vista que sua aplicação ao caso concreto pode acarretar na negação de direitos fundamentais, eis que, a atividade hermenêutica/interpretativa, poderia ser levada pelos ventos valorativos não compatíveis com aqueles desejados, o que acarretaria na redução dos direitos e garantias consagrados, tais como, o ordenamento Jurídico Constitucional, no tocante aos direitos sociais e do trabalho.

Inelutável que, como acertadamente descreve Diniz, “fato é que a hermenêutica foi aviltada para permitir o ativismo judicial”. (DINIZ. Precisamos atuar como operadores do Direito, e não como legisladores. Disponível em; https://www.conjur.com.br/2020-out-28/julliana-diniz-ativismo-judicial-justica-trabalho acessado em 21.07.2021 às 23:51)

Maximiliano menciona que a “hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”. (Maximiliano. Hermenêutica e aplicação do Direito, 1994, p. 1)

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Ministra do Tribunal Superior do Trabalho, ao dissertar sobre o tema destaca que “o ativismo judicial decorreu do fracasso de abordagens positivistas a respeito da hermenêutica jurídica”. (Peduzzi. Ativismo judicial e a reforma trabalhista. Disponível em: https://ww2.trt2.jus.br/fileadmin/ejud/1.eventos/CFC/2019/materiais/0908_MMariaCristinaIrigoyenPeduzzi_AtivismoJudicial_ReformaTrabalhista.pdf. Acessado em 21.07.2021 às 23:47)

Destaca, ainda, Peduzzi que a “Lei nº 13.467/2017 criou mecanismos de proteção à segurança jurídica nas relações do trabalho, opondo-se ao ativismo judicial por meio de constrições hermenêuticas e institucionais”, reafirmando que a reforma deu especial atenção ao tema da autocontenção judicial, instituindo mecanismos de reação ao ativismo na jurisprudência trabalhista. (Peduzzi. Ativismo judicial e a reforma trabalhista. Disponível em: https://ww2.trt2.jus.br/fileadmin/ejud/1.eventos/CFC/2019/materiais/0908_MMariaCristinaIrigoyenPeduzzi_AtivismoJudicial_ReformaTrabalhista.pdf. Acessado em 24.07.2021 às 13:47)

A teoria da autocontenção toma como base a concepção modesta do papel do Judiciário que previne intervenções em matérias politicamente controvertidas, buscando não transformar as Cortes em instância permitindo aos sobrepujados da luta política invalidar a vitória da maioria, em nome de apreços subjetivos sobre as “melhores” soluções.

Nesse sentido, o Senador Relator do Projeto de Lei na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, Ricardo Ferraço, que deu o aval final para a aprovação integral da reforma trabalhista[2], emitiu em seu relatório sua ansiedade com a insegurança jurídica acendida pelo ativismo judicial das Cortes trabalhistas. De acordo com o parecer

“(…) o ativismo judicial gera uma insegurança jurídica que inibe a própria autocomposição e a celebração de mais acordos. Quantas negociações coletivas benéficas a possivelmente milhões trabalhadores deixaram de ser feitas nos últimos anos no Brasil simplesmente porque as empresas receiam serem posteriormente condenadas pela Justiça?”. De acordo com ele, o ativismo “se caracteriza pela infame invasão das competências do Congresso Nacional; pela insegurança jurídica que inibe a criação de empregos; e por decisões impensadas que em seu conjunto acabam por prejudicar o trabalhador[3].

Neste espeque, a nova redação do art. 8º da CLT indica um reacionismo ao ativismo judicial, notadamente no que tange aos §§ 2º e 3º, bem como o § 1º (antigo § único) que sofreu alteração, no que tange à admissibilidade do direito comum como fonte subsidiária ao Direito do Trabalho, que na redação anterior condicionava a existência de compatibilidade com os direitos fundamentais.

Ademais, percebe-se uma inclusão frontalmente dirigida ao ativismo judicial trabalhista, àquele previsto no § 2º do art. 8º da CLT, ao mencionar que “súmulas e outros enunciados de jurisprudênciaque restrinjam “direitos legalmente previstos” ou “criem obrigações que não estejam previstas em lei”, em evidente tentativa de injunção da supremacia da Lei como postulado da hermenêutica jurídica.

Compreensível, portanto, que a complexidade envolta ao tema não é das mais simples. Imprescindível que a segurança jurídica seja preservada e que os poderes tripartidos da Federação sejam capazes de ladrilhar o percurso da prosperidade e do incremento com a JUSTIÇA SOCIAL.


BIBLIOGRAFIA

BARROSO Luís Roberto. Judicialização, Ativismo judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acessado em 20.07.2021 às 22:22)

FERRAÇO, Ricardo. Parecer ao PLC nº 38, de 2017. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/157116/2014_peduzzi_maria_art8_lei13467_2017.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 27.07.2021 às 06:45

FERREIRA, Maria Cecília Máximo Teodoro. Crise do Estado social e o papel do juiz na efetivação de direitos trabalhistas. 2009. Tese (Doutorado em Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-21062011-154129/>. Acesso em: 20.07.2021.

GOMES, Luiz Flávio. O STF está assumindo um ativismo judicial sem precedentes? Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2164, 4 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12921/o-stf-esta-assumindo-um-ativismo-judicial-sem-precedentes. Acesso em: 21.07.2021 às 21:59.

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O juiz ativo e os direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2011.

MARTINS, Joao. Ativismo Judicial. Jusbrasil. 2015. Disponível em: https://joaomartinspositivado.jusbrasil.com.br/artigos/157291066/ativismo-judicial. Acessado em 21.07.2021 às 21:45

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito — Rio de Janeiro: Forense, 1994.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Principiologia do direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1999.

    1. Advogado especialista trabalhista na Ferreira e Chagas. Pós Graduado em direito e Processo do Trabalho.
    1. LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.
  1. FERRAÇO, Ricardo. Parecer ao PLC nº 38, de 2017. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/157116/2014_peduzzi_maria_art8_lei13467_2017.pdf?sequence=1&isAllowed=y . Acesso em: 27.07.2021 às 06:45

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